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Até quando podemos viver sem transportes?

A pandemia da Covid-19 veio colocar-nos a todos uma imensidão de novos desafios. No entanto, expôs também os desafios e problemas que não tínhamos conseguido ainda resolver. Se, inicialmente, nos achávamos todos no mesmo barco, perante um vírus aparentemente “democrático”, o desconfinamento veio provar exatamente o contrário. Depois de um estado de emergência, pediram-nos que, com todos os cuidados necessários, fizéssemos retomar a economia. Muitas empresas voltaram à sua atividade, saíndo do regime de lay-off, e maior parte dos trabalhadores regressou ao seu trabalho presencial. Mas, ao contrário da economia e dos trabalhadores que a sustentam, os transportes públicos parecem estar ainda em quarentena. Uma grande parte das empresas de transportes encontram-se, ainda, em regime de lay-off. Como consequência, temos transportes apinhados ao mesmo tempo que milhares de trabalhadores destas empresas sofrem uma redução substancial do seu salário. Tudo isto é um contrasenso. Pede-se distanciamento social mas quem mantém este país a funcionar é obrigado a exatamente o contrário.

Os problemas nos transportes não começaram com esta pandemia, mas agora são ainda mais visíveis as consequências da falta de investimento e má gestao ao longo de todos estes anos. Não apostar nestes transportes não é uma possibilidade. Os transportes públicos terão mesmo de ser a solução de mobilidade de futuro. Por razões ambientais e por serem os únicos com a garantia de mobilidade e autonomia para todos os diferentes aspetos pessoais e profissionais da nossa vida. Estas empresas de transporte recebem financiamento público e, portanto, têm o dever de garantir as condições de segurança e higiene aos utentes, o que se consegue apenas com a retoma total da oferta, ou até mesmo com a sua expansão.

Santo Tirso, infelizmente, não tem sido exceção nacional. Sofremos de um problema crónico de falta de transportes, que se tem vindo a arrastar no tempo, sem nunca aparecer vontade de o solucionar. A isolada “solução” de transportes a pedido revela um total desconhecimento da nossa cidade e de quem cá vive e trabalha. Sendo uma cidade com tanta indústria, da qual sempre se dizem orgulhar, a incapacidade de garantir transporte a todos os trabalhadores é incompreensível. Para que estes transportes garantam um serviço mínimo – repito, mínimo - foi necessária uma transferência de milhares de euros. Mas vamos continuar a aceitar que dinheiro público financie estas empresas de transporte sem qualquer contrapartida na sua gestão, qualidade e horários? Vamos mesmo aceitar que depois de transferências de dinheiro público para estas empresas, tenhamos de continuar a pegar no carro para ir trabalhar ou esperar tempo demais pelo transporte? Isso não são contas certas, são vidas incertas.

Ao longo desta pandemia, temos assistido a um discurso moralista, que se foca na sobrevalorização da responsabilidade individual, estigmatizando os trabalhadores e os mais pobres. Mas este é o tempo de respostas coletivas e solidárias. Talvez assim consigamos sair mais unidos desta pandemia, com uma economia justa que sirva a todos e não apenas aos mesmos de sempre.