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Primavera Árabe: Crise, transformação e alternativa

Carlos Santos, editor do portal esquerda.net, introduziu o tema lembrando que aquilo a que o mundo assistiu, a partir do final de 2010, em todos os países árabes, “foi, de facto, uma sitação revolucionária”. Relembrando a acepção de Lenine, o jornalista ilustrou o sucedido: “quando os de cima já não conseguem viver como dantes e quando os debaixo já não querem viver como dantes, multiplicam-se as movimentações de massas e abre-se uma crise geral”.

De todos os países do norte de África onde se fizeram sentir levantamentos populares sucessivos, Carlos Santos destacou o caso da Tunísia onde “essa situação revolucionária continua e é flagrante” fruto de “uma disputa intensa e onde ainda hoje não há um poder político estabilizado”. O jornalista realçou o papel de “uma esquerda actuante” que desempenha “um papel importantíssimo” e que, “em conjunto com o povo tunisino, pode vir a desempenhar um papel extremamente importante nos próximos tempos”.

Fathi Chamki, membro da ATTAC e do Comité pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, trouxe ao debate as especificidades da revolução tunisina de 2011. “Curiosamente, apesar da grande quantidade de estudantes universitários, foram os alunos das escolas secundárias que desempenharam um papel fundamental na propagação do movimento revolucionário por todo o país. Quando o regime de Ben Ali se deu conta e ordenou o fecho das escolas, era já demasiado tarde, a insurreição estava na rua” conta o economista.

Segundo Fathi Chamki, nesta jornada outros dois grupos devem ser destacados: por um lado, o papel do islão, por outro, o movimento feminista tunisino. Para o economista, a presença nesta revolução de “um islão ‘tunisificado’ muito moderado, resultou na ausência de uma resposta política de base muçulmana de cariz mais reacionário”. Por outro lado, “se juntarmos a este facto a presença de um movimento feminista com uma força considerável, percebemos o quão diferente é o caso da revolução tunisina quando comparada com os seus países árabes”, conclui Fathi Chamki.

Dois anos volvidos do início dos levantamentos populares na Tunísia, Fathi Chamki, chamou a atenção para a gravidade da situação hoje:“há um sector político que pede apenas por uma transição política, que se fique pelo nível das liberdades, enquanto outro se bate por uma transformação económica e social.” Paralelamente, “a pressão do FMI para a aplicação de medidas de austeridade continua” e “a inflação e o desemprego são problemas centrais da economia tunisina”.

Admitindo que “pelo menos o perigo de uma restauração do poder ditatorial já passou”, Fathi Chamki salientou que hoje a Tunísia é “um país onde as classes populares vivem com extrema dificuldade e onde uma elite rica mantem boa parte dos recursos nacionais.”

Alda Sousa, eurodeputada do Bloco de Esquerda e membro do GUE/ NGL, fechou o painel de intervenções destacando a influência dos movimentos sociais e dos activismos tunisinos nos países europeus; a questão da dívida e o relacionamento da União Europeia com os países da Primavera Árabe.

A eurodeputada admitiu que houve uma influência muito forte “nas camadas mais jovens, desempregadas e precárias” europeias. Na perspectiva da eurodeputada, houve “uma influência muitíssimo forte porque mostraram aos jovens que era possível voltarem a ser protagonistas e voltarem a ocupar as praças e as ruas e estarem no centro das mobilizações”.

Alda Sousa reconhece o contágio dos ventos revolucionários da Primavera Árabe que chegaram à europa e referiu que muitos dos movimentos e protestos que tiveram lugar em países europeus “provavelmente não teriam tido o mesmo impulso e desenvolvimento se não tivesse havido um olhar para o norte de África vendo que ali estava alguma coisa a mexer e a mexer em profundidade.

A eurodeputada colocou também em debate a questão do relacionamento da União Europeia com os países do norte de África sublinhando “as chamadas cooperações alargadas que se transformam, de facto, em tratados de livre comércio”. Para Alda Sousa, esses acordos são “catastróficos” e a experiência com outros países tem mostrado que, ao invés de serem instrumentos que permitem incentivar o crescimento económico, “aumentam a dívida, não promovem o consumo interno e não permitem mobilizar e fazer crescer a economia nem o poder de compra nem as trocas dentro do proprio país” já que “se resumem a acordos para exportação”.

Alda Sousa lembra também que os juros da dívida que um país como a Tunísia tem em relação a alguns países europeus, aos Estados Unidos e aos bancos, como o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimento, “são mais um instrumento responsável pela ditadura da dívida e por empréstimos que são a juros absolutamente proibitivos”.

Para finalizar, a eurodeputada frizou a importância das “fortunas” dos ditadores, então congeladas em bancos europeus, serem desbloqueadas em favor dos países de origem para que possam ser alocados em investimento público.

O debate “Primavera Árabe: Crise, transformação e alternativa” foi organizado pelo Bloco de Esquerda e GUE/NGL, aconteceu esta sexta-feira, no Porto, Portugal, e recebeu, em primeira mão, por Fathi Chamki, a notícia de que, nesse mesmo dia, a Frente Popular decidiu retomar as mobilizações de rua.

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Frases destacadas:

“Na Tunísia há uma forte presença da esquerda, onde o movimento sindical, que existe de forma organizada desde 1924, se apresenta com bastante força.” Fathi Chamki

“Há jovens e há varias camadas da população que vêm para as ruas e querem algo diferente: primeiro querem correr com os ditadores, mas depois querem emprego, querem direitos sociais, querem direitos políticos.” Alda Sousa