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Democracia: aprofundar e expandir

Nas últimas semanas, foi amplamente noticiada a publicação do Relatório Global sobre o Estado da Democracia, que revela que a qualidade da democracia portuguesa sofreu um retrocesso. Este relatório, publicado por uma respeitada instituição internacional, sustenta a sua análise numa concepção da democracia baseada em cinco pilares: governo representativo (eleições), direitos fundamentais, equilíbrio de poderes, imparcialidade da administração pública e participação da sociedade civil.

Estes pilares resumem aquela que é a definição hegemónica da democracia na nossa sociedade. O "Demos" + "Kratos", ou "poder do povo", reduz-se às formas institucionais da democracia liberal ocidental desenvolvida no século XIX, ou seja, à representação política e a uma administração tecno-burocrática. Para a maioria das pessoas, participar na democracia significa votar de tantos em tantos anos em eleições que são tratadas nos media como novelas ou corridas de cavalos, importando mais os protagonistas e os casos do dia do que os conteúdos programáticos e as visões políticas.

O sociólogo Erik Olin Wright defende que podemos julgar a democraticidade de uma sociedade em duas dimensões: a medida em que o poder político está igualmente distribuído pela população e o leque de decisões que é sujeita a processos de decisão democráticos. Por este prisma, conseguimos perceber porque é que a democracia que conhecemos no capitalismo é limitada. Na primeira dimensão, sabemos que quem detém mais riqueza tem também uma influência desproporcional nas tomadas de decisão, e que a proteção a todo o custo deste sistema económico limita a quantidade de escolhas possíveis. Na segunda dimensão de análise, esta democracia reduz-se a assuntos de gestão do Estado e subjuga-se a determinações internacionais de legitimidade questionável.

À esquerda, as assimetrias de poder são centrais à critica do capitalismo. Para aprofundar a democracia, é necessário acabar com o poder do capital. Mas para a expandir, é preciso democratizar todas as estruturas sociais. Não viveremos numa democracia plena enquanto trabalharmos em empresas altamente hierarquizadas e com processos de decisão autocráticos, ou enquanto instituições como a escola ou a polícia não incluírem formas de participação das comunidades nas quais se inserem.

Reconhecendo o papel essencial do Estado como força redistributiva e necessária no combate à pobreza e à desigualdade, é necessário disputar a ideia proclamada pela direita, e tão bem satirizada por Richard Wolff quando diz ironicamente que "o socialismo é quando o governo faz coisas, e é mais socialista quanto mais coisas ele fizer". A construção do socialismo tem de ter como prioridade o aprofundamento e a expansão da democracia em todas as vertentes da vida social. Uma democracia a sério tem de incluir a economia e tem de ser baseada na deliberação popular e descentralizada de todas as decisões coletivas.