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Comício Porto: "Austeridade às prestações não deixa de ser austeridade"

Na sessão pública organizada pelo Bloco no Porto, João Semedo voltou a defender a demissão do Governo e o reforço das esquerdas, mas também avisou o PS que "não se pode estar do lado da oposição e ao mesmo tempo da austeridade" e do memorando da troika.

 

"Para que Portugal tenha futuro, e até para que o próprio PS e António José Seguro tenham algum futuro, era bom que o PS se afastasse, se distanciasse e começasse a dizer não à política de austeridade, a dizer não ao memorando, a dizer não à troika", afirmou João Semedo na sessão realizada este sábado no Teatro do Campo Alegre, no Porto.

"Há muita gente neste país que fala de outra maneira", prosseguiu Semedo. "Falaram no 15 de setembro e no 2 de março e nós ouvimos a sua voz. Milhares de pessoas disseram que estão fartos e que não aguentam este Governo e nós percebemos bem, porque também não aguentamos este Governo", disse, concluindo que "é junto a essas pessoas que está o Bloco de Esquerda".

O coordenador bloquista falou também das negociações prolongadas entre o governo de Passos Coelho e a troika sobre mais cortes no Estado Social, para dizer que "aquilo em que ainda não houve entendimento é na forma de enganar aos portugueses" sobre como e a que "ritmo" esse corte vai ser feito. "O problema está na austeridade e não no seu ritmo. A austeridade pode ser a prestações, mas a fome e a miséria chegam a pronto e é isso que não podemos aceitar", referiu.

"Austeridade por mais um, mais dois ou mais três anos, não deixa de ser austeridade. Não deixa de empobrecer o país, as famílias e as pessoas", afirmou Semedo, que fez também o balanço da receita do Governo: "o resultado de um ano meio de Passos Coelho e Paulo Portas" é um país que "todos os dias fica um pouco mais pobre". E é esse o caminho que o país prosseguirá "se não nos livrarmos da presença da troika e das suas políticas", sublinhou o coordenador do Bloco.

Catarina Martins: "Decência, dignidade e respeito são as nossas exigências radicais" 

Na intervenção que encerrou a sessão, a coordenadora bloquista defendeu uma "exigência radical da sensatez": precisamos de exigir radicalmente a subida do salário mínimo nacional", uma exigência "tão clara, não só por uma questão de dignidade mas também para fazer a economia crescer e sair da crise", por oposição ao "absurdo em que vivemos" com o primeiro ministro a dizer que seria sensato baixá-lo. Outra "exigência radical da sensatez" é a da luta contra os despejos nos bairros sociais do Porto e contra a nova lei das rendas. "Como é que podemos viver num país no século XXI onde há cada vez mais famílias a viver sem eletricidade e achar isso normal?", questionou a coordenadora do Bloco, dando o exemplo da recente visita ao bairro de Aldoar, onde várias pessoas com quem falou tinham sido vítimas de cortes de luz por não conseguirem pagar. 

"Não estamos num tempo de meias palavras, mas de exigências radicais, porque são as exigências sensatas: a exigência radical de que não se pode cortar a luz ou despejar uma família quando está em situação de carência económica e não tem como pagar" prosseguiu Catarina Martins, concluindo que "decência, dignidade e respeito são as nossas exigências radicais". O apoio aos desempregados também faz parte destas "exigências radicais", num país onde a grande maioria não tem qualquer rendimento.

"Há quem diga que isto é insensato e devíamos falar mais baixinho e com mais respeitinho", pedindo qualquer coisa à troika ou mesmo "jogar ao homem-estátua, como Cavaco Silva, sem fazer absolutamente nada a ver se isto passa". "Não, isto não é possível", contrariou a coordenadora do Bloco, apelando à clareza da esquerda. "Há um corte que tem de ser feito e não é na escola pública nem na saúde, pensões ou emprego", é o corte no "maior encargo financeiro do Estado português, que é a dívida. É aí que é preciso cortar, como dissemos há um ano e meio", recordou Catarina Martins, defendendo a renegociação da dívida. "Se a dívida cresce e produzimos cada vez menos, ela não pode ser paga" e vamos ficar sempre pior, sublinhou. 

Alda Sousa: Europa ouviu apelo da Grândola Vila Morena   

A eurodeputada bloquista interveio no comício, sublinhando o impacto internacional das manifestações do 2 de Março e dos protestos inspirados pela "Grândola, Vila Morena". E citou outros exemplos de lutas contra a troika e a austeridade, na Grécia e no Estado espanhol, onde as marés cidadãs enchem as ruas e o movimento contra os despejos ganha enorme apoio popular. Falou ainda do Fórum Social Mundial, que se realiza este mês na Tunísia, um país que também está "sob o garrote da dívida ao Banco Mundial e a bancos franceses".

"A Europa responde à austeridade e à recessão com mais austeridade, que só vai causar mais recessão", tornando os países reféns da dívida, defendeu ainda a eurodeputada, que também referiu o Orçamento Europeu, cuja proposta aprovada por unanimidade no Conselho Europeu "reduz drasticamente o Orçamento Europeu precisamente nas rubricas onde mais era preciso aumentá-lo: na coesão, fundos sociais, investimento para o emprego, investigação, em tudo aquilo que poderia ser políticas contracíclicas". E acusou Passos Coelho de "cantar vitória com pequenas migalhas" após a aprovação da proposta que reduz também a fatia destinada a Portugal. 

José Soeiro: "Aumentar salário mínimo é uma questão de dignidade"

A intervenção de José Soeiro sublinhou a enorme manifestação de 2 de Março no Porto, onde "estivemos todos juntos para contrariar essa mentira obscena que os diz que a responsabilidade da crise é nossa e que devemos procurar os culpados no vizinho do lado". O dirigente bloquista disse que a manifestação de dia 2 "foi um processo coletivo como nunca tivemos, que trouxe a militância, memória e a insubmissão" e constituiu este "processo de convergência inédito entre movimentos sociais, organizações, cidadãos, sindicatos e forças políticas". "É essa convergência que pode construir uma alternativa se for capaz de se juntar numa voz para demitir o governo e para derrotar a troika", defendeu Soeiro.

Em seguida, Soeiro acusou Passos Coelho e António Borges de um "cinismo sem limite" por terem sugerido baixar o salário mínimo, poucos dias depois da manifestação do 2 de Março e numa altura em que tantas vozes se têm erguido pela necessidade de aumentar o salário mínimo como uma questão elementar de justiça. "É importante insistir nisto: Portugal tem o salário mínimo mais baixo da zona euro. Tirados os descontos, quem ganha o saláro mínimo fica com 431,65 euros, ou seja, abaixo do limiar da pobreza", alertou Soeiro, para concluir que "o valor do salário mínimo que existe ofende a dignidade e viola os Direitos Humanos porque condena as pessoas à pobreza e impede a sua liberdade", prosseguiu.