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Políticas Públicas ou Negócios Privados?

Na última sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Matosinhos, votou-se a aquisição de um fogo devoluto à Petrogal com vista a, alegadamente, ser utilizado num futuro realojamento social. Com assuntos tão prementes na ordem do dia, do ponto de vista económico-social e que exigem uma resposta quase imediata, estranha-se a urgência deste tipo de investimento ainda que com um fim meritório.
A este propósito, o Bloco de Esquerda propôs a prorrogação da suspensão das rendas sociais, prevista somente até junho, a fim de permitir o reequilíbrio financeiro das famílias mais vulneráveis do concelho. Diferir as rendas sociais até dezoito meses após aquela data, ainda que sem penalizações, parece, igualmente, pouco sensato, na medida em que adensará a angústia de quem já vive com sérios constrangimentos económicos.
Ficou-se também a saber, na mesma reunião, que o número de pedidos de apoio através do Fundo de Emergência Municipal tem sido escasso e que, inclusivamente, os seus possíveis beneficiários têm manifestado a preferência em pagar já as suas rendas em vez de acumular dívidas ad aeternum. Das duas, uma: ou o Executivo Camarário não fez uma avaliação rigorosa do impacto desta crise sanitária no seu concelho ou os apoios já disponibilizados para a emergência social não estão a ir ao encontro de quem deles mais necessita.
A depreender do número de crianças e jovens que diariamente beneficiam de refeições escolares e da quantidade de famílias que vivem da caridade e solidariedade alheias, certamente não será difícil de constatar que há, atualmente, muitos munícipes a viver situações dramáticas em Matosinhos. Existem, por todo o lado, relatos de pessoas a passar fome, a não conseguirem suportar as suas despesas com bens essenciais e, obviamente, existem agregados familiares sem condições para pagar as suas rendas, particularmente nas
habitações sociais. E não são assim tão poucos.
Ora, a dúvida levanta-se: estará a autarquia de Matosinhos consciente do seu dever de praticar uma política social de proximidade que possa ir ao encontro das inequívocas e reais dificuldades dos seus munícipes? Esperemos que sim, até porque manifestar indisponibilidade financeira perante esta pobreza emergente não se compadece com aquilo que se tem dito, nas últimas semanas, nos diferentes órgãos de comunicação social: “Matosinhos goza de uma boa saúde financeira”.
Então, as questões subsistem: será que esta dificuldade em continuar a apoiar financeiramente as famílias mais vulneráveis resulta de políticas débeis praticadas pela empresa municipal MatosinhosHabit? Estarão os seus administradores verdadeiramente preocupados com o estado de calamidade ou tão-somente com a sustentabilidade dos seus próprios postos de trabalho, especialmente quando estes são há décadas garantidos pela mesma família política? Serão este tipo de opções as mesmas que subjazem à relutância em aplicar, por exemplo, uma tarifa social da água no município reivindicada frequentemente pelo Bloco de Esquerda e já aprovada pela Assembleia Municipal? Sim, porque esta possibilidade, entretanto acolhida pelo Executivo, teima em não sair do papel, quiçá vergada pelos lucros de uma outra empresa a quem se concessionou a gestão privada das águas de Matosinhos... Negócios.

Numa altura em que urge a tomada de medidas excecionais que impeçam um maior empobrecimento dos cidadãos, na autarquia de Matosinhos parece premente investir o dinheiro dos contribuintes na aquisição de um único fogo à Petrogal. Como também parece ser urgente a requisição de um hotel pelo período de 45 dias, implicando uma despesa superior a 75 mil euros, à qual se somou mais de 100 mil para o pessoal auxiliar recrutado em empresas de trabalho temporário. Recordemos, justamente, o objetivo inicial deste último investimento: instalar os matosinhenses infetados pela Covid-19. Contudo, no momento de retirar os idosos
do famoso Lar do Comércio de Matosinhos, a opção foi redistribuí-los, precisamente, pelos concelhos vizinhos... Opções.
Haja coerência e vontade política para se olhar de frente para os problemas dos cidadãos, conferindo-lhes um apoio digno, cuidando deles, não de alguns, com interesses privados pouco ou nada transparentes, mas de todos. Numa altura em que assistimos ao evoluir duma crise humanitária, é necessário, mais do que nunca, gerir com respeito o dinheiro de todos os contribuintes e praticar a equidade e justiça sociais. Urge, em suma, gizar políticas públicas consentâneas com o estado de emergência económica e social, mas, principalmente, tornar credíveis as políticas sociais dos autarcas neste concelho.

Carla Silva
Deputada do Bloco de Esquerda
na Assembleia Municipal de Matosinhos