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PROMISCUIDADE

A dirigente do CDS, Assunção Cristas, numa das suas histriónicas intervenções no decorrer da polémica sobre o não registo e não publicação estatística de cerca de 10.000 milhões de euros enviados para paraísos fiscais, afirmou que o país devia muito ao Dr. Paulo Núncio, ex-secretário de Estado das Finanças no governo PSD/CDS.

Independentemente desses fundos terem fugido aos impostos, de terem ou não sido utilizados para fins ilícitos e da clandestinidade da operação, não deixa de ser interessante e esclarecedor saber mais um pouco da figura de Paulo Núncio, apresentado como credor dos portugueses pela dirigente do CDS.

Este fiscalista, assessor de grandes empresas multinacionais era, à altura, o representante ou assessor das empresas que forneceram os submarinos de má memória e os carros de assalto, os famosos PANDUR, que tiveram grandes deficiências de funcionamento e até problemas nas contrapartidas a ser pagas. Parecem vir daí as relações de maior proximidade com Paulo Portas. Simultaneamente, era advogado de uma empresa petrolífera venezuelana, por coincidência, a responsável pela saída de uma parte substancial dos 10.000 milhões de euros para a offshoredo Panamá.

Uma vez no governo, ao mesmo tempo que lançava os concursos de atribuição de automóveis de luxo pelos números das e-facturas, impedia o acesso dos funcionários fiscais às contas de alguns ilustres contribuintes, a famosa lista VIP, promovia os vistos Gold em troca de investimentos estrangeiro e simultaneamente deixava passar os milhões para offshores, sem controlo e sem fiscalização. É muita coisa para um secretário de estado só!

Paulo Núncio já veio assumir a sua responsabilidade política pelos seus actos, o que obviamente não é suficiente, enquanto os ministros que o tutelaram, Victor Gaspar e Maria Luis Albuquerque, se mostraram mudos e quedos.

Não deixa de ser irónico o facto de Pedro Passos Coelho ter vindo propor legislação mais apertada para as transferências para offshores, tornando mais eficaz e obrigatória a publicitação, depois de ter sido o seu governo a ocultar a publicação das transferências que vieram a público. Só pode ser o reconhecimento em público dos erros cometidos. Alias, vem tarde, porque um projecto de lei nesse sentido foi apresentado pelo Bloco de Esquerda em Maio de 2016.

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É conhecida a actuação do Banco de Portugal enquanto entidade supervisora da banca portuguesa e do seu governador, Carlos Costa, como responsável da mesma. Para além da maior permissividade face aos casos dos bancos que entraram em situação de falência e que custaram ao erário público tantas dezenas de milhões de euros, a aparente displicência face ao caso do Banco Espirito Santo ultrapassa todos os limites. A supervisão tinha conhecimento da situação do Grupo Espirito Santo muitos meses antes, e considerou que isso não iria afectar o BES. Essa, pelo menos, é a versão apresentada pelo responsável da supervisão bancária, Carlos Costa.

Por esta situação, a manutenção do governador do Banco de Portugal é, só por si, muito questionável. Para além disso, toda a sua actuação, reconduzido no cargo pelo governo anterior, tem sido lesiva dos interesses do país. A posição dos partidos, que consideram que este banqueiro não reúne condições para continuar à frente do Banco de Portugal, são claras e precisas. Não é de estranhar que o PSD e o CDS se afadiguem na defesa de Carlos Costa em nome dos serviços prestados aquando do seu governo.

O facto de o PS não ousar afastar Carlos Costa e de o Presidente da Republica considerar que, em nome da estabilidade do sistema financeiro este deve ser mantido na direcção do Banco de Portugal, não impede que cada vez mais portugueses afirmem que esta manutenção é altamente prejudicial para o país.

Neste momento a questão que se coloca é a venda do chamado Novo Banco, mais um ruinoso negócio que foi agenciado pelo ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro, para o que recebeu um salário principesco, cerca de 20.000 euros mensais, num contrato que acabou há um mês. O Banco de Portugal voltou a contratar o mesmo senhor, agora como consultor externo, posição que irá manter até à completa alienação daquele banco. O Novo Banco será a próxima entidade bancária a ser alienada ao capital estrangeiro, com a desculpa esfarrapada de que é muito importante para assegurar o financiamento das pequenas e médias empresas. Com a compra, provavelmente por uma bagatela, pelo fundo americano Lone Star, de John Grayken, continua a tarefa iniciada pela troika da destruição da banca portuguesa. Ora, sabe-se pelos jornais que este fundo está a ser investigado em vários países por actividades ilícitas na compra de activos.

Neste momento já se fala na criação de uma entidade independente para a supervisão do sistema bancário, retirando essa prerrogativa ao governador do Banco de Portugal.

Impõe-se dar mais um passo para acabar com a promiscuidade existente entre negócios e política, uma das causas que fomentam a desconfiança dos cidadãos face aos políticos e à política.

14.03.2017