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Greve na Ryanair: o que está em causa

No próximo dia 28 de Setembro vai ocorrer mais uma greve de trabalhadores da Ryanair em diversos países europeus. Para além de Portugal, também na Espanha, Itália e Bélgica haverá cancelamento de voos em muitos aeroportos

A contratação colectiva e a aceitação pela empresa da filiação e representação sindicais têm estado no centro das ações de luta do pessoal de voo da Ryanair. Mas o sucesso destas greves ganha uma outra importância se tivermos em conta que o modelo laboral da Ryanair, assente na escolha duma legislação de trabalho e respetivos encargos sociais desfavoráveis aos trabalhadores (como são as normas laborais irlandesas) e na sua aplicação a tripulantes que têm a sua base de trabalho em diversos países europeus, é muito apreciado pelas confederações patronais e pelos partidos da direita.

É certo que nos últimos anos, os voos de “baixo custo” possibilitaram um enorme crescimento do turismo internacional. As viagens aéreas ajudam a conhecer outros povos, outras culturas, contribuem para uma cidadania de maior intensidade.

Viajar é preciso. Mas a utilização por muita gente dos voos “baixo custo” não pode fazer esquecer o lado negro das companhias aéreas como a Ryanair: não aceitação da sindicalização do pessoal de voo, baixos salários e fracas condições de trabalhoformação paga pelos trabalhadores, evasão fiscal (não descontando o devido para a segurança social, os encargos sociais na Irlanda são quatro vezes inferiores aos da França, por exemplo) ou a sistemática infração às leis nacionais e comunitárias (há vários processos judiciais em curso no Tribunal de Justica da União Europeia por ajudas de Estado indevidas).

E há ainda outra dimensão pouco falada da Ryanair e que afecta cidades como a do Porto: a crescente desqualificação dos aeroportos onde e quando obtém um papel dominante. De acordo com os últimos dados da Autoridade Nacional da Aviação Civil -ANAC, no Aeroporto do Porto as companhias de “baixo-custo” já têm uma quota superior a 70% no número de passageiros (a Ryanair está perto dos 40%), não chegando a 20% os passageiros transportados pelas companhias de bandeira como a TAP. E esta preponderância da Ryanair na fixação dos percursos e destinos, ao não estabelecer ligações directas entre certas cidades da Europa e do mundo, tem consequências desastrosas.

Foi o que aconteceu com a candidatura da cidade do Porto a sede da Agência Europeia do Medicamento. O Porto teve uma boa classificação em cinco dos seis exigentes critérios, mas o que ditou a derrota da proposta do Porto foi a “fraca conetividade de voos entre capitais europeias”: “poor flight connectivity to other EEA capital cities” na expressão da comissão de análise às 19 candidaturas.

 

A Ryanair não só rejeita a contratação coletiva baseada nas leis laborais de cada país, como não respeita o ordenamento jurídico do nosso país: só com a presença da PSP foi possível à ACT exercer a sua acção inspetiva nas instalações da empresa nos aeroportos portugueses. É uma atuação inaceitável.

Os trabalhadores já estão a responder, com a sua luta, à arrogância e exploração dos patrões da Ryanair, por condições de trabalho justas. Agora impõe-se uma maior exigência cívica por parte do governo, das autarquias e doutras entidades públicas que, até agora, têm vivido numa espécie de deslumbramento pelas companhias “baixo-custo”. É tempo de defender o transporte aéreo e a dignificação do trabalho.